Vamos sorrir a
cabelos ao vento e deliciar-se com olhares desejosos.
Anita era uma
bela garota, com seus olhos cor de mel e seu gingado todo dançado.
A
mulher dos sonhos: delicada como uma flor, sensual como uma sereia. E ela adorava isso, fingia não saber, fingia
ser normal, gostava de deleitar-se com a vontade que despertava em corpos
alheios, com as idéias que plantava nas mentes que se derretiam por ela.
Anita
era o diabo em forma de anjo.
Que
mulher era Anita.
Era
daquelas almas que se regojizavam por ser bela, e contentava-se com isso. Pior,
bastava-se disso.
Roberto
era um garotão capa de revista.
O
físico de um deus, o intelecto de um arado. Aproveitava o poder da imortalidade
de seus músculos, exibindo-os ao calor do sol que lhe acolhia com todo seu
carinho e seu amor.
O
modelo de macho alfa: Perfeitamente alinhado, corretamente moldado, barriga pra
dentro, peito pra fora. Olhares de sedução, ferormônios afiados como corte de
navalha.
Três
séries de doze diariamente, um capítulo de Eça por década.
Nando
era ordinário. Simples e mortalmente comum.
Lia
quando lhe era ordenado, escrevia quando lhe era ordenado. Votava em presidentes
sempre iguais e escolhia um punhado de vereadores quaisquer. Vivia a vida que
lhe corria frente aos olhos e lhe encarava todo santo dia gritando a ouvidos
surtos: “reaja”.
Não
era o alfa, não era o beta. Não conhecia grego, conhecia apenas os times da
rodada e a ultima enchente de São Paulo.
Unidos,
invariavelmente, pela mesma paixão. Que dava olhos diferentes, a seres tão
diferentes.
Anita
encosta-se toda linda, toda sua, no balcão do bar, ignora os olhos estalados de
Nando e lhe ordena uma vodka com algo qualquer. Nando obedece a seu amor
depositando goles de sua alma como se tentasse aquecer o frio que o gelo
destilava ao copo. Anita, alheia ao calor de seu servo, observa o ambiente,
nutrindo-se do desejo alheio.
Roberto
aproxima-se dela e lhe sussurra ao pé do ouvido:
“Mas
que saúde, ein?”
À
Anita reserva-se o prazer da escolha.
À
Roberto reserva-se o dom da conquista.
À Nando, reserva-se o silêncio
da impotência.
Todas as companhias para os
próximos meses.
Juras foram ditam, paixões
vazias foram senhoras dominadoras e dores foram sentidas apenas no âmago.
Três meses depois, quando Anita
já havia se acabado em um amor doentio por Roberto este foi pra outros cantos,
viver sua vida vazia em outros corpos como o dele. Anita encontra Nando, no
mesmo bar de sempre, na mesma vodka de sempre.
O olhar deles se encontraram.
A boca de Nando se abre.
E dela, que tanto sufocou palavras
de amor jamais ditas para a bela Anita, que tanto foi suprimida pela vergonha e
pelo medo, profere o vaticínio de ser futuro:
“Com suco de laranja, ou de
limão?”
Outro punhado de tempo depois,
os cabelos de Anita brilhavam novamente, o físico de Roberto requentava-se ao
sol de dezembro e o silencio de Nando, continuava a mata-lo.
Bem vindo ao mundo do amor
líquido.