quarta-feira, 13 de junho de 2012

Cupidos, corações e rosas quebradas

             A madeira do balcão vibra junto com o celular, torna o pequeno som quase ensurdecedor aos ouvidos dele. Uma mão sem vontade segura o aparelho e o coloca em modo silencioso. A mesma mão se volta agora para o copo de cerveja e o leva até os lábios, que são esperados por outros.
           O aconchegante ambiente do barzinho estava lotado de casais, o amor transbordava pelas janelas e fazia os vidros ficar embaçados, a musica ambiente era um calmo misto de piano e poucas notas de violino. Era o tipo de musica nascida para aquelas ocasiões.
            Ela deveria estar pirando nesse momento, atordoada entre as paredes de seu apartamento à dois quarteirões dali. Ele gostava muito dela, muito mesmo, mas por algum motivo, não conseguia se portar como manda o figurino. Não tinha paciência para comédias românticas, não gostava mesmo de ficar escolhendo flores, achava que existia coisas mais importantes que caixas de bombom.
            Era por esse motivo, esse motivo tão idiota, que nem ele entendia bem, que estava evitando passar a noite desse outro dia 12 com ela. Talvez não teria paciência para o clima romântico que deveria pairar sobre os dois, preferia o evitar.
            A tela do celular brilhou e o rosto dela surgiu, mais uma ligação perdida.
            Deu um gole na cerveja e desviou os olhos para a janela ao seu lado. A garoa fina, gélida, batia devagar no vidro, sonhando em ser forte como a chuva. No outro canto do bar, a porta da frente se abriu e um belo par de olhos azuis entrou estremecendo os ombros, agradecendo o calor agradável dali de dentro. Fechou o guarda chuva e foi se sentar no balcão, a dois bancos de distancia de um cara que afagava despreocupado um celular e dava um gole de cerveja.
             Ela pegou o próprio celular e deu uma espiada nas horas, estava 1 hora atrasada, não fazia mal, amanha de manha estaria 12 horas atrasadas e se sentiria tão normal quanto agora, o problema seria ele, com toda certeza. Pensou nas possibilidades, e soltou um suspiro, daqueles longos que tem o poder de exprimir cansaço, desanimo e desalento em um único tom. Isso pareceu ter despertado o transe do cara da cerveja.
            Uma olhadela para o lado, um par de belos olhos azuis encontra-se com dois pequenos poços de mel.
            -Que desanimo mulher. Fica tranqüila, homens atrasam mesmo. – bebericou o liquido gelado que agora se acumulava apenas no fundo do copo.
            Ela deu um sorriso de canto de boca, mostrando apenas um pouco de seus dentes que brilhavam de tão brancos.
O silencio pairou por uns instantes entre eles, o celular mostrou o rosto contornado por cabelos loiros novamente, que recebeu apenas um olhar, mas nenhuma voz de resposta. Quem suspirou dessa vez foi ele, e foi ela quem falou:
            - Então vocês atrasam pelo simples prazer de atrasar, pelo visto.
            -Perdão?
            -Quando eu cheguei voce estava olhando o celular chamar, e agora de novo e bem, voce não esta atendendo, se te ligam, geralmente é porque estão te esperando, mas voce não parece com muita vontade de chegar na hora, onde quer que tenha que ir.
            Ele soltou um riso rouco que o fez jogar os ombros pra frente.
            -Mulheres e seu poder de observação. É, eu não tenho muita pressa de atender mesmo. Não sei bem se de atender ou se de enfrentar o que tem a ser dito.
            É mágico como nós temos essa facilidade a entregar nossos segredos a desconhecidos que cruzam nossos caminhos em lugares quaisquer. Bancos de bares, pontos de ônibus, filas de banco, é apenas nos dizerem um ‘oi’ e logo estamos mostrando fotos dos nossos demônios pessoais que levamos com a gente pra todo lugar.
            Ela soltou um ‘hum’ e pediu uma cerveja também, virando-se depois para seu colega:
            -Então voce está com problemas com a companheira? Que beleza ein, justo no dia dos namorados.
            A musica de fundo do bar era agora um hit do momento. As notas baixas eram calmas, ao mesmo tempo em que exalavam um toque de humor negro. Era gostosa de se ouvir.

Now and then I think of when we were together...

-Não, não diria bem que problemas, nós nos damos bastante bem, é só que eu não tenho paciência para esse climinha todo. Essa coisa toda de ficar abraçado comentando como a luz da lua esta bonita e como nosso amor é infinito. Ficar vendo filmes que contam a história de casaizinhos que vivem brigando, sofrendo desencontros e depois se beijam no por do sol em cima de uma colina genérica qualquer. Isso é tão ridiculamente comercial, sei lá, é como se...
            -Como se nós amassemos segundo um manual de instruções. Como se amor fosse mesmo dizer “eu te amo” e dar sorrisos depois disso. É uma data comercial, apenas. Não é um dia diferente, é um dia qualquer. Amor não faz aniversário, é atemporal, quando se ama alguém se ama todo dia, na mesma intensidade, não se escolhe um dia ou outro pra enaltecer o sentimento, se faz isso todo dia.
            -Exatamente.
            Ele empurrou o copo de cerveja para o lado dela, ele deslizou e foi para um metro de onde estava antes. Levantou-se e se sentou no banco ao lado dela.

You can get addicted to a certain kind of sadness...

            -E voce, que faz aqui sozinha? Solteira?
            -Não, eu tenho um namorado. Um namorado que, aliás, esta me esperando num restaurante a quinze minutos daqui, mas não tenho vontade de ir vê-lo.
            -Nossa, e pra que deixar o coitado esperando?
            -Haha, o sujo falando do mal lavado! Eu não sei, é só que ele é grudento demais, sabe? Eu gosto dele, ele me trata bem e coisa e tal, mas é exatamente o tipo que eu lhe disse. Ele precisa que eu diga a ele que o amo de cinco em cinco minutos. Fica perturbado se não mando uma mensagem para ele todo santo dia. Sabe, eu acho que amor seja mais que isso, realmente.
            -Estar com alguém tem que ser uma filosofia de vida, voce bem disse. Não é necessário mesmo que nós fiquemos vivendo em “o vento levou” todo dia. Sabe, abraços de vez em quando é bom, beijos , sexo, companhia. Mas porque tem que ser tudo baseado nisso? Porque só os olhares que transbordam paixão tem que ser mágicos? Porque os presentes tem que ter forma de coração? Porque temos que encher de flores, cartas, musicas melosas as pessoas de nossas vidas? Porque não simplesmente as TER em nossas vidas não é a maior prova de amor?
            -Realmente, nós ficamos tão loucos quando achamos que a pessoa não nos olha mais do jeito que olhava no começo que perdemos a razão às vezes. Eu fazia bastante isso quando era mais nova, achava que porque meu namorado não me olhava com o mesmo brilho nos olhos do começo o sentimento tinha acabado. É difícil nós entendermos que pessoas, olhares, gestos mudam, mas nem por isso muda o sentimento. O amor e suas mil e uma caras.

But you didn't have to cut me off...

            -É bem verdade, mil e uma caras, acho que é por isso que nós sofremos tanto por amor, ou evitamos tanto o amor. É muito fácil de se ver errado num sentimento que é tudo a toda hora. É difícil aceitar uma coisa que é tão infinitamente completa e ao mesmo tempo tão penosamente fragmentada com uma certa consistência, nós só temos essa capacidade quando temos a experiência dos nossos pais, eu acho.
            -Acho que sim, ou porque achamos que o amor é um padrão de comportamento. Achamos que nossos namorados, namoradas, esposas, maridos, tem que se comportar segundo um padrão, eles tem que deixar a vida de lado por nós, tem que aprender a ser carinhosos se não o são, tem que aprender a ser atenciosos se não o são e coisa e tal. A diversidade é o que torna as pessoas tão mágicas. Acho que nós confundimos a ordem das coisas, o amor nasce de como a pessoa é, nós nos apaixonamos pelo que a pessoa é. Não é o sentimento que molda a pessoa, é a pessoa que gera o sentimento...
            - Nós sempre esperamos demais mesmo não é? Ao invés de apenas amar quem nos ama.
            Os olhos dos dois subitamente se encontraram. Ele notou como ela tinha uma beleza exótica, os olhos azuis em contraste com os cabelos negros cacheados que descansavam preguiçosos pelas costas dela. Ela viu como os traços fortes dele combinavam perfeitamente com os doces olhos cor de mel e o sorriso de garoto em um rosto tão masculino.

Make out like never happened and that we were nothing...


           -Sabe, acho que realmente deveríamos fazer isso.
           -É, eu tava pensando a mesma coisa.

And I don't even need your love...

           -Mesmo?
           -Somos dois estranhos, nos encontramos aqui, num bar qualquer, justo hoje, no dia dos namorados, quer dizer, deve querer dizer alguma coisa não? Não sou muito de destino, mas acho que a casualidade explica muita coisa.
           -Eu também.

But you treat me like a stranger and it feels so rough...

            -Então tudo bem, não vejo mal nenhum nisso.
            E com o olhar fixo um no outro, ligados por essa certa magia que nos liga a desconhecidos, sempre agora parte da duvida um do outro, eles se movem em perfeita sincronia. Ele sorri, joga uma nota de 20 no balcão, pega o celular e o coloca no bolso, pensa onde vai conseguir achar, às 9 da noite, um famigerado buque de rosas brancas. Ela sorri, se olha no espelho do balcão e ajeita as madeixas negras, pensa se terá, na bolsa, a maquiagem necessária para fazer alguns poucos retoques antes de chegar ao restaurante.
            Na porta os dois trocam um olhar cúmplice, a garota diz ao garoto:
            -Eu nem sequer perguntei seu nome.
            -É, eu pensei em perguntar o seu, mas acho mais legal se ficar por isso mesmo. Vou gostar mais de pensar que eu conversei com uma filosofia de vida hoje, e não uma pessoa com um nome. Acho que torna a coisa toda mais especial, mais verdadeira.
            -haha, tudo bem então bonitão, vê se te cuida, ok? E cuide bem de sua menina.
            -Pode deixar bonitona, e vê se trate bem desses teus olhos azuis, seja boa para teu menino.

            Mais tarde naquela mesma noite, ele tinha sua menina nos braços, sentado aconchegadamente no sofá do apartamento dela, ao lado de um vaso com lírios vermelhos. Enquanto a garoa fina continua a cair, lhe dava beijos nos cabelos morenos que cheiravam morango e refletia como, vez ou outra, não era bom ter com ela um momento de romantismo, ele deixou de se preocupar com o contexto, e passou a prestar mais atenção à companhia.
            Ela, depois de comer um prato de raviólis e tomar um vinho tinto delicioso com o seu pequeno carente percebeu, enquanto alisava os cabelos curtos dele, o quanto era bom ser amada de um jeito tão puro e tão sincero como aquele. Ela havia aprendido a apreciar aquele amor tão grande que mal cabia no tempo que ele lhe oferecia sem pedir nada em troca.
            Não se trata de flores, nem de chocolates, nem de filmes. Trata-se apenas do sentimento que justifica tudo isso. Que nós dá motivos para sorrir sem querer, para chorar de alegria, e para gostar daquela saudade gostosa que nós sentimos daquela pessoa especial.

Sempre paciente, sempre generoso, esse é o amor. Não apenas de hoje, mas de todos os dias de nossas vidas, para quem ama e para quem, um dia, virá a amar e ser amado.

by Rafa